segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Folkmagazine

Miguel Teixeira - Toque de Caixa: "FAZEMOS A NOVA MÚSICA TRADICIONAL PORTUGUESA"
Entrevista


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Com cerca de duas décadas de existência, está sedeada em Matosinhos, Grande Porto, a banda Toque de Caixa, uma das grandes responsáveis pela grande renovação do folk nacional que ganhou, sobretudo, novo impulso a partir da década de 90.
Para muitos desconhecida, a banda hoje dirigida por Miguel Teixeira, designer e ex-cordofonista dos Vai de Roda já deu muito que falar por Inglaterra e foi uma agradável surpresa quando apresentou o «Histórias do Som», o seu primeiro e único álbum editado até ao momento.
Responsável, em grande parte, pelo êxito alcançado está Miguel Teixeira. O FolkMagazine.info quis nesta entrevista revelar o músico e director musical de uma banda que prepara novidades para breve.

FolkMagazine.info (FM) – O que é que o trouxe para a musica?
Miguel Teixeira (MT)
– O que me trouxe para a música foi de facto o prazer de ter na mão um instrumento, primeiro de tudo, depois a amizade com pessoas ligadas à música e basicamente o gosto pela música. Eu não concebia muito a minha vida em jovem sem tocar um instrumento e daí comecei a aprender.

FM –A que se deve a opção pelo género folk? Veio com o amadurecer da idade ou havia esse objectivo desde muito cedo?
MT
– Não. Opção pessoal de tocar música folk tem a ver com o gosto pessoal. De facto eu com a idade que tenho – 52 anos – como ficam a saber, já vivi ou vivi numa época em que o folk e a música tradicional e a música portuguesa tiveram o seu grande boom após o 25 de Abril; depois foi a continuação desse gosto e foi continuar um percurso que é nosso e que é português. Acho que todos temos que gostar independentemente das áreas onde se está e eu optei por esta. Não quer dizer que toque só este tipo de música, mas com este grupo é nessa área que estamos.


Foto: Toque de Caixa
Foto: Toque de Caixa

Miguel Teixeira (ex-Vai de Roda) faz a direcção musical dos Toque de Caixa


FM – Teve sempre influências familiares nessa opção pela música folk?
MT
– Não. Dos meus pais nenhum deles é músico. Tive sim provavelmente influências de amigos e de alguns cantores da altura como Zeca Afonso ou Vitorino, embora este último não esteja muito nesta área para mim. Mas não tive influências de familiares.

FM – Mas chegou a passar por outros projectos antes de formar os Toque de Caixa…
MT
– Tantos até e posso lembrar os Siga a Rusga, um grupo da altura, enfim, com muita gente: éramos quinze e chegamos a ter mais de vinte elementos e gravamos dois discos. Depois integrei a formação do Vai de Roda e, a par com o ex-Vai de Roda, eu não sou um elemento fundador dos Toque de Caixa. Neste momento faço a direcção musical, mas não sou fundador. Fui fundador sim do antigo grupo Siga a Rusga e também cheguei a tocar em alguns outros projectos menos visíveis.

FM – Aos Toque de Caixa já lá vamos. Antes e para completar algumas informações sobre a sua carreira pessoal: qual é o seu instrumento favorito?
MT
– Bom, eu gosto de qualquer instrumento que seja de cordas, cordofones. Digamos que favorito não terei especificamente nenhum. Nesta formação do Toque de Caixa o que eu toco com mais frequência é a guitarra clássica, embora passando por instrumentos cordofones não de origem portuguesa como o catoro ou o ukulele…

FM – Depois também há a viola braguesa e o rajão que toca no Toque de Caixa. Mas o seu favorito destes todos é a guitarra clássica?
MT
– Eu penso que é, como lhe digo não será o que me dá mais gozo, mas neste momento é o que acho que dentro do grupo fará mais falta sendo eu a tocar. Depois depende do tema. Quem vir um concerto dos Toque de Caixa apercebe-se que ao longo do concerto, que fazemos actualmente, vamos mudando constantemente de instrumentos. Portanto não tenho nenhum favorito mas o que dará mais jeito em termos de banda é eu tocar guitarra clássica.

FM – Há pouco falava que o seu gosto pela música folk decorreu um pouco a seguir ao 25 de Abril, aquele boom de música folk dos anos 80 e falou-me de Vitorino, José Afonso… Há assim algum músico ou instrumentista nacional, ou mesmo internacional nesta área musical, que o tenha inspirado ou ainda inspire?
MT
- Muito sinceramente, na área da música portuguesa acho que todos eles inspiram todos eles. Quem conhece a discografia do Vitorino, do José Afonso, do Janita Salomé… enfim tantos outros, percebe que entre os músicos há de facto um entendimento e cada um vai «beber» um pouquinho àquilo que são os outros e é natural que seja assim. Depois a música galega tem bastante influência no Toque de Caixa, a música celta, em geral, e pessoalmente eu tenho um grupo de eleição que são, ou eram, porque penso que acabaram: são os Penguin Cafe Orchestra. É o meu grupo preferido no momento ou era porque, enfim, o grupo acabou porque morreu o líder. Eu continuo a ter a discografia completa dos Penguin Cafe Orchestra, é um grupo que gosto bastante e onde me revejo constantemente.

Foto: Toque de Caixa
Foto: Toque de Caixa

A banda portuense foi agradável surpresa em muitos palcos ingleses


FM – O grupo Toque de Caixa é constituído em 1985. Conte-me como tudo se passou com a formação.
MT
- Ora bem, eu não sou a pessoa ideal para falar disso. Daquilo que conheço, como lhe disse não sou dos fundadores, o grupo começou com meia dúzia de pessoas de um bairro da Maia, que se lembraram de cantar as janeiras. Pelos vistos não ficaram por ai. Dissolveu-se após as janeiras, três ou quatro elementos acharam que deviam continuar… até hoje. Penso que a história básica do grupo é essa: juntaram-se para cantar as janeiras e, entretanto, foram entrando elementos e saindo outros, até à altura em que eu entrei e me fizeram o convite para fazer a direcção musical da banda e para enveredar por uma formação mais séria do que tinha sido até à altura.

FM – A sua entrada dá-se em que ano?
MT
– Em 1990 ou 1991, penso que não estou enganado. Sinceramente, eu para datas não sou muito bom, penso que cinco ou seis anos depois do grupo ter começado.
Eu tomei então a direcção musical, depois combinamos que se deveria lançar ou «balançar» o grupo para uma actividade mais regular, mais séria em relação à música. Daí surgiu um disco e uma série de concertos no estrangeiro. Enfim, temos tido um percurso razoavelmente engraçado, desde essa altura até cá.

FM –Foi um salto que nem imaginaram dar desde do tempo de cantar as janeiras…
MT
– Provavelmente, alguns dos elementos nunca sonhariam pois alguns deles saíram após isso os cantares. Com o pessoal que ficou na altura foi-se evoluindo, evoluíram como músicos, como pessoas e foi um caminho percorrido com alguma sorte e muito empenho – é verdade. E continuamos hoje com o empenho de sempre, independentemente de não sermos profissionais. Nenhum de nós, bem: não é inteiramente verdade porque há professores de música e gente ligada à música. Mas profissionalmente – e é o que quero frisar – isto é uma actividade a par de outra e acho que temos tido um pouco também de persistência e perseverança para manter isto, ao longo destes mais vinte anos.

FM – «Toque de Caixa»: como surgiu a ideia de dar este nome ao grupo?
MT
– Não sei. Sinceramente, aquilo que me falam é que estas coisas são sempre discutidas quando são formados os grupos ou quando são formados outro tipo de ajuntamento de pessoas e há sempre que discutir o nome. Se foi «Toque de Caixa» parece-me que foi baseado no ditado popular do «ir a toque de caixa». Inicialmente o grupo chamava-se «A Toque de Caixa». Penso que foi por isso que o nome que surgiu engraçado, sonante e assim ficou.

FM – Diz-se que os vossos concertos “conseguem acordar memórias dos tempos esquecidos, o gosto pela vida do campo que a moderna civilização urbana consegue muitas das vezes esquecer e ter perdido”. A partir desta expressão como é que define a música e o som dos Toque de Caixa?
MT – Muito sinceramente, acho que fazemos aquilo que eu considero ser a nova música tradicional portuguesa. Pode ser da minha parte estar a querer dizer aquilo que não é. Mas ligados à tradição estamos, a nossa música, embora não seja tradicional e neste momento temos mais música de autor do que propriamente recolhas de músicas tradicionais, a nossa sonoridade, o nosso tipo de instrumentos e a forma de estar tem sempre a ver com a música tradicional portuguesa, independentemente haver influências de tudo quanto é música. Estamos num mundo global e só quem de facto não tiver uma visão global das coisas é que pode pensar que não é influenciado. Portanto nós somos influenciados, pessoalmente sou, mas continuamos a ter um carinho muito grande por aquilo que é português, e dai continuarmos a utilizar instrumentos tradicionais portugueses, não só cordofones como percussão. A forma de estar do grupo é uma forma de estar que tem a ver com aquilo que é português e com aquilo que é tradicional. O som é novo e daí que seja um epíteto ou nome engraçado dizer que é a nova música tradicional, que hajam dois nomes antagónicos – ser novo e ser tradicional. Parece-me que é uma forma de abordar a música tradicional, que é a nossa forma de abordar e a expressão que usei tem a ver de facto com o que fazemos hoje.

Foto: Toque de Caixa
Foto: Toque de Caixa

A formação dos Toque de Caixa aquando da edição
de «Histórias do Som» em 1993


FM – Em 1993, oito anos depois da vossa formação, sai o primeiro (e único até ao momento) trabalho discográfico «Historias do Som». Como é que define este disco?
MT
– É um disco que, primeiro, vem na ligação daquilo que tinha sido o Toque de Caixa até à altura. Foi intenção do grupo fazê-lo e isto é um disco longo como sabes. É um disco longo e foi intenção minha e de todos os elementos que gravaram este disco não deixar para trás tudo aquilo que tinha sido feito até à altura, ou seja, todo aquele trabalho que até a minha à entrada tinha sido realizado, com pequenas nuances e pequenas modificações ao gosto dos elementos que estavam. Foi nossa ideia gravar tudo o que estivesse para trás e tudo o que seria de gravar. E gravar aquilo que foi feito depois da minha entrada também. Portanto, este disco é uma soma daquilo que era o Toque de Caixa até à minha entrada e depois daquilo que foi desde que eu assumi a direcção musical até a altura em que gravamos o disco. Neste disco há temas de autor, há temas tradicionais, há temas que são uma coisa e outra, digamos temas de autor com pequenas partes de música tradicional e, ao fim ao cabo, essa forma de estar manteve-se até hoje. Nós mantivemo-nos com bastantes temas de autor e se calhar até mais do que tínhamos de tradicionais na altura, mas continuamos a integrar não só temas tradicionais portugueses também como temas tradicionais de outros países, continuamos a fazer essa pesquisa. E o gosto de fazer as duas coisas: música moderna com música antiga - é uma forma que temos acerca da música que gostamos de fazer.

FM – O «Histórias do Som» é o único álbum ou «cartão de visita» da banda até ao momento. O que representou este disco para vocês? O grupo é formado em 1985, o Miguel entra em inícios de 90’ e logo a seguir, em 1993, sai o primeiro trabalho. O que representou em sentimento para vocês?
MT
– Foi um disco muito importante. De facto, na altura, como falamos há pouco, algumas dessas pessoas nunca pensariam ter a hipótese de vir a gravar o que quer que seja. Foi um disco importante para o grupo, consolidar um pouco o que era o Toque de Caixa na altura e manteve-se ao longo deste anos como disco único. Não temos mais nenhum, até se calhar como opção, não posso dizer exactamente que tenha sido essa a razão, mas foi um disco importante e, a partir daí, o grupo passou a ter muitos mais concertos, passou a viajar bastante na altura e passou a ter um «cartão de visita». Está nos nossos projectos, brevemente, fazer outro. Também porque temos material para fazer mais do que um relacionado com aquilo que te disse há pouco. O tempo é curto, nos somos profissionais de outras áreas, não somos músicos profissionais nem a tempo inteiro. Hoje por uma razão, amanhã por outra, depois há um que casa, outro porque tem um bebé, uma série de contingências. Por isso ainda não gravamos mais nenhum disco até hoje.

FM – Mas tem material pronto para começar outro 13 anos depois…
MT
– Prontíssimo para começar. Até se calhar dois. Nos concertos que fazemos de momento tocamos temas do primeiro disco mas, provavelmente, 80% do concerto que fazemos hoje é com temas novos. O tempo de que dispomos não é muito e o adiamento tem sido inevitável. Na próxima oportunidade se calhar um disco duplo, já temos alguns contactos para que mal haja uma oportunidade, uma oportunidade de tempo de irmos todos para estúdio e fazer mais um disquinho.

FM – Depois da produção do primeiro disco vieram os concertos, o Toque de Caixa ficou com uma boa reputação no meio folk internacional, concertos por Espanha, França Inglaterra, quando e como surgiu o primeiro convite para irem actuar lá fora?
MT
– Nos temos uma pessoa que é nossa amiga e é agente em Inglaterra - a Chris Waide - que logo após o lançamento do disco, e isto foi feito juntamente, pois esqueci-me de dizer que foi feito juntamente com uma associação de Caminha – a Associação Etnia - de facto na altura apoiou-nos também na edição deste disco. Esta associação tinha uma pessoa que em Inglaterra fazia contactos para grupos portugueses, e não só, e que aceitou ser basicamente o ponto de contacto entre nós e alguns festivais. Praticamente um ano ou meio após ter saído o disco já estávamos em Inglaterra a fazer duas digressões, que de facto foram interessantes para que o grupo tivesse uma consolidação ainda maior. Tocar na Inglaterra ou no estrangeiro nunca tinha estado muito nos nossos horizontes, mas resultou muito bem e fizemos alguns festivais com muito interesse, festivais de grande nível mundial de música folk e gostamos muito de fazer isso. Ainda não paramos de o fazer. Temos feito muitos ao longo destes anos todos fora de Portugal e gostamos muito das pessoas.

FM – Como é que sentem a receptividade do público tanto lá fora como cá dentro? Por exemplo, na vossa primeira actuação é natural que não fossem conhecidos. Como é que sentiram o feedback do público?
MT
– Quem vê um concerto de Toque de Caixa, isto não é vaidade, é aquilo que achamos que é verdade e é o que eu sinto, acho que é inesquecível. Quando as coisas correm bem, eu penso que há consenso, é uma forma de estar em palco que cativa as pessoas primeiro, depois as pessoas não estão à espera que surja de um grupo pouco conhecido como somos o tipo de música que estão a ouvir. É assim em Portugal. Tem sido assim no estrangeiro. Até lá fora tem outra beleza, pois as pessoas não conhecem os instrumentos que estão a ver, não conhecem o cavaquinho, não conhecem a viola braguesa, não conhecem alguns dos instrumentos tradicionais portugueses, tem outra beleza que é diferente, as pessoas vem ter connosco e perguntão que instrumento é este, que tipo de musica é esta coisas que nunca tinham ouvido, falam connosco sobre a musica tradicional, sobre o folk em geral, sobre musica portuguesa. Em Portugal tem sido excelente, todos os concertos que temos feito, rara as excepções, têm tido muito bom acolhimento pelo público.

FM – Os concertos, tanto internos como externos, também permitem às vezes o contacto e a partilha de experiências com outras bandas, algumas até de renome. Tem acontecido isso com o Toque de Caixa?
MT
– Evidentemente. Quando fomos a Inglaterra tocamos com imensa gente conhecida do meio folk: com Dave Swarbrick, com Mina Raskinen, com grupos que ao longo destes anos têm, de facto, sido grupos que toda a gente conhece da música tradicional e não só inglesa. Enfim, muita gente. Temos tido muitas experiências a esse nível, temos aprendido bastante até pela forma de estar desses mesmos grupos em palco e mesmo independentemente da música ter um bom contacto com outras pessoas. Tem sido muito útil para nós e muito grato também.

FM – Desde a entrada do Miguel Teixeira na banda, desde 1990, do primeiro disco, dos concertos lá fora, de todo este tempo e de toda esta evolução… há assim algum episódio, em concreto, que o tenha marcado em particular?
MT
– Queres que conte algo engraçado do grupo? Engraçado foi termos ficado sem gasolina no último dia, no último concerto que fizemos em Londres, numa carrinha de rodado duplo, com todos os instrumentos a bordo, mais as pessoas. Eu vinha a conduzir e ficamos sem gasolina no meio de Londres a uma hora de embarcar. Imagina o que terá sido. Tínhamos que estar cá no dia seguinte sem falta, pois algumas pessoas vinham trabalhar. Esse foi um dos episódios engraçados mas que na altura não teve muita piada: ficar sem gasolina no meio de Londres a uma hora de entrar no avião.
Ao longo de quase 20 anos temos muitas coisas que contar. Eu não tenho muito jeito para escrever, gostaria um dia de fazer as memórias do Toque de Caixa e do nosso pessoal e daria um livro muito engraçado. É pena e eu não tenho muito jeito para isso, se calhar algum dia alguém se encarregará de o fazer.

Foto: João Sá \ FolkMagazine.info
Foto: João Sá \ FolkMagazine.info

Miguel Teixeira e João Sá quando o lider dos Toque de Caixa gravou
uma entrevista para o programa Sons Radicais (Rádio Vizela) em 2003

FM – Para terminar: na sua opinião que futuro se reserva à música popular e tradicional, isto é, ao folk português?
MT
– Eu acho que está nas mãos dos músicos. Neste momento não vejo um futuro muito risonho, muito sinceramente não vejo. Não estou a querer ser derrotista mas para a música ou mesmo para tudo o que é português ou tradicional acho que as pessoas deveriam ter em mão o trabalho de apoiar quem aí está. Com isto não estou a pedir nada a ninguém, aliás o Toque de Caixa é completamente independente, nem sequer estou a fazer o papel de pedir algum subsídio. Trata-se de constatar o que é a cultura hoje em Portugal e basta para isso quem tiver o prazer de conhecer o que é hoje a Espanha, especialmente a Galiza, perceber onde o futuro da tradição e o futuro de um povo está, não esquecendo aquilo que está para trás, ver o caminho que está para a frente sem deixar descurar aquilo que ficou. Em Portugal, penso que não é muito fácil. Não só ao nível da música, ao nível da tradições em geral. Há muita coisa boa que foi esquecida e os apoios não são muito grandes.
Se calhar este povo não está para aí muito virado e as coisas perdem-se, a música perde-se. Aquilo que era tradicional e que podia ter algum interesse guardar como tal também se perde. Enfim… vamos bebendo das músicas anglo-saxónicas, vamos importando tudo quanto é bom e quanto é mau, importamos de facto toda a música que existe, muita da música é má, de facto, e temos aquilo que é bom neste país e que deveria ser aproveitado ao máximo. O que não é bom poderia vir a sê-lo. Nem sempre as coisas são boas de um momento para o outro. É preciso que haja apoios, que se aprenda música desde pequeninos e uma série de coisas. Daí que o futuro não me parece, com este andamento, muito risonho. No entanto confio que as coisas possam mudar.
Só quem não está na música não percebe. Como disse há pouco, quando se vê um concerto dos Toque de Caixa ou de algum outro grupo que toque o género de música que tocamos, apercebe-se que as pessoas não estavam à espera porque é raro ouvirem. Este género musical toca pouco na rádio, na televisão, etc. Eu posso dar o exemplo do Fausto – e não é aqui chamado para nada – mas é para muita coisa: quem gosta de música portuguesa e quem conhece a música nacional percebe que há músicos como o Fausto que raramente tocam na rádio, na televisão… é um marasmo completo.
Isto é uma opinião muito derrotista. Espero que o tempo não me dê razão.

FM – Já que fala nisso. Depois de exemplificar com o Fausto, há tempos o Vitorino, na televisão, acusou um director de uma rádio nacional - que não interessa dizer aqui qual a rádio - de arrogância porque lhe disse que “em Portugal há musica de qualidade” e que a música portuguesa “não passa na rádio porque não tem qualidade” - palavras de Vitorino citando o director de uma rádio nacional. Na opinião do Miguel a música portuguesa tem qualidade para passar na rádio?
MT
– Isso é uma coisa que nunca se pode dizer em relação a nada. O que é isso de dizer que não tem qualidade? Há música portuguesa que não tem qualidade, como é evidente, e há música portuguesa que tem muita qualidade. Eu não posso nem devo estar a enumerar grupo nenhum português com qualidade porque as pessoas conhecem, não é preciso ir muito longe para perceber que há grupos portugueses que tem grande sucesso lá fora e eu não quero estar a nomear nenhum - as pessoas sabem quem são. Não é por ser português que não tem qualidade, isso é uma «patacoada», uma parvoíce, para não dizer outra coisa. O que é importante para as pessoas, designadamente para as rádios em Portugal e para a televisão, é importar aquilo que o povo consome e ponto final. E a divulgação é incutir o gosto nas pessoas por outras coisas, designadamente por aquilo que é deles.
Há pouco falei da Galiza. Como é que é lá? Nós vamos ali a partir de Vigo para cima, mesmo em Vigo ou naquela costa galega, e a tradição de facto é uma coisa que está incutida na cabeça daquelas gentes, como no dia-a-dia. É normal. Repara que eles até recuperaram uma língua que é o galego que estava praticamente morta. Até por ai se percebe o interesse dessa gente em terem consigo e à sua volta gente e projectos que têm a ver com a tradição de um povo e não deixarem morrer aquilo que é importante. A partir daí eles tocam… vais a uma discoteca na Galiza, a uma discoteca em Espanha e 90% da música que eles tocam e que lá se ouve é musica, ou cantada em galego, ou cantada em castelhano e os outros 10% é música estrangeira.
Não quer dizer que tenhamos de copiar o que quer que seja. Mas quando hoje olhamos para a juventude em Portugal e percebemos que aquilo que é português eles não conhecem nada! Não quer dizer que não conheçam a música tradicional, mas não conhecem nada praticamente! Não é por falta de qualidade, por amor de Deus! Nós sabemos que não é e esse senhor da rádio que deu essa resposta também sabe que não o é. É uma forma de rodear o problema, penso eu.

Os Toque de Caixa são actualmente constituídos pelos seguintes elementos:

Miguel Teixeira – guitarra, viola braguesa, rajão e percussões
Horácio Marques – guitarra e viola braguesa
Fernando Figueiredo – baixo acústico
Albertina Canastra – acordeão e concertina
Teresa Paiva – flautas e gaita-de-foles
Emanuel Sousa - violino, bandolim e concertina
Pedro Cunha – teclas
Tiago Soares – percussões

Saiba mais sobre os Toque de Caixa em /
http://toquedecaixa.home.sapo.pt/

Texto: João Sá

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